A Páscoa na Rússia é a festa cristã mais celebrada
Florência Costa
A Catedral do Cristo Salvador, a mais importante de Moscou, estava exuberantemente decorada no domingo, 20 de abril, quando os russos celebraram a Páscoa Ortodoxa. Nem o Natal é festejado com tanta pompa no país, que adotou oficialmente o Cristianismo no século 10. Mais do que a relembrar a essurreição de Cristo, a Páscoa russa significa esperança e está imbuída de um sentimento de renovação da alma, em meio à alegria pela chegada da primavera, sinalizando o fim do rigoroso inverno.
Os ovos coloridos e decorados são o símbolo mais famoso da Páscoa russa e por isso um imenso ovo coberto de flores foi instalado diante da catedral. Nele constava as iniciais do tradicional cumprimento de páscoa: “Cristo Ressuscitou” (no alfabeto cirílico “XB”),como noticiou o site “Janela para a Rússia”. Nas árvores em volta da catedral, foram pendurados ovos coloridos de tamanho normal. Os sinos de todas as catedrais tocavam, anunciando a ressurreição de Jesus Cristo.
Quem já passou a Páscoa na Rússia, como eu, que vivi em Moscou entre 1991 a 1995, certamente foi cumprimentado com a frase: “Cristo ressuscitou”. A resposta dos russos a este cumprimento é: “Ele realmente ressuscitou”. Pelo costume, o Papa da Igreja Católica cumprimenta o Patriarca de Moscou, chefe da Igreja Ortodoxa Russa.
Neste ano, a Páscoa russa caiu no domingo, 20 de abril, seguindo o calendário lunar juliano, ainda utilizado pela Igreja Ortodoxa Russa, apesar de o calendário gregoriano ter sido adotado no país desde a revolução bolchevique de 1917.
A celebração nas mesas russas é digna da importância desta data. A ceia farta é realizada após o período da quaresma e do jejum, durante o qual muitos pratos são evitados, como os de carne.
Dois doces são obrigatórios nesta ceia: a paskha, um bolo em forma de pirâmide, macio, feito de ricota (o tvorog russo), frutas cristalizadas e raspas de limão; e o kulitch, um tipo de pão-de-ló. As letras “XB” (de Cristo Ressuscitou, em cirílico) enfeitam essas delícias que lembram um pouco o nosso panettone. A paskha e o kulitch são inseparáveis, se complementam, como a goiabada e o queijo para os brasileiros.
Pela manhã, as pessoas visitam amigos, familiares e vizinhos, oferecendo ovos e pedaços desses doces da Páscoa. Uma tradição mais exótica é a visita aos cemitérios, durante as quais as pessoas levam ovos decorados para serem depositados sobre as sepulturas de seus entes queridos. Levam também pão e cerveja, para comer e beber ao lado da sepultura, uma forma de levar a alegria da Páscoa para os que já partiram.
Eu mesma participei uma vez desta visita ao cemitério com um conhecido, um médico russo que decidiu fazer uma espécie de piquenique na beira do túmulo de sua tia, se não me falha a memória. Sacha, o médico, contou a história da parenta. Uma delas, não me esqueço: ela era amiga, ou mais do que amiga, segundo Sacha, do grande compositor russo, maestro e pianista Serguei Rachmaninov (1873-1943), um expoente do estilo romântico da música clássica.
O ovo enfeitado representa a ressurreição de Cristo, e mais amplamente, a chegada de uma nova vida. A tradição manda cozinhar os ovos enrolados em tecidos coloridos em juntamente com cebolas de cascas amareladas.
Há uma crença de que esses os ovos funcionam como uma espécie de amuleto da sorte, daí servirem de presentes. Antigamente, seus poderes poderiam salvar colheitas, animais , ou mesmo espantar espíritos malignos.
Na verdade, mesmo antes do Cristianismo, ovos já eram símbolos da nova vida com a chegada da primavera, de fertilidade e de renascimento em várias culturas pagãs. Essas práticas acabaram sendo adotadas nas festas religiosas e daí o ovo passou a representar a própria ressurreição de Cristo.
Com o tempo virou costume presentear os outros com ovos feitos de outros materiais também. Surgiram os ovos de madeira, como os da foto acima: um é de uma moça russa oferecendo o bolo de Páscoa e o outro, uma imagem que se assemelha a das matrioshkas, aquelas bonecas russas de madeira guardadas umas dentro das outras em tamanhos decrescente.
Os ovos de porcelana, ouro e prata eram encomendados pelos nobres russos para serem presenteados na Páscoa. No final do século 19, surgiram os famosos ovos Fabergés, do joalheiro francês que trabalhou para os czares da Rússia (Peter Carl Fabergés). Essas preciosidades são expostas hoje em museus e disputadíssimas por colecionadores. Dentro dos ovos havia frequentemente alguma surpresa: uma miniatura de objetos ou animais, ou mesmo jóias e pedras preciosas.
Feitos de materiais preciosos ou simples postos por galinhas, o fato é que os ovos tornaram-se o maior símbolo da Páscoa russa no mundo, uma época do ano maravilhosa para se estar na Rússia.